Market Watch

Ativos Digitais: Uma nova classe de ativos com o potencial de deslocar as carteiras institucionais

  Nuno Serafim
01 December 2024
 
 
Não é todos os anos que nasce uma nova classe de ativos. Melhor, nem em todas as décadas, sequer, temos assistido ao aparecimento de uma nova classe de ativos. Quanto muito, existe, com alguma frequência, uma proliferação de novos instrumentos financeiros que replicam, de forma mais ou menos fiel, conferindo-lhes transacionalidade, classes de ativos subjacentes - por exemplo, REITS, ETFs, sejam eles de crédito, commodities ou private markets - ou estratégias com perfis de risco e retorno negativamente assimétricas, como são o caso dos melhores Hedge Funds, que eles próprios se tornaram numa nova classe, normalmente associada ao absolute return. No entanto, todos estes instrumentos têm como objetivo dar acesso e liquidez a classes de ativos naturalmente ilíquidas ou com elevadas barreiras à entrada para a maioria dos investidores. 

Os ativos digitais são a primeira classe de ativos, alternativa, primária e com liquidez - i.e. sem necessidade de ser transformada num instrumento financeiro ou valor mobiliário (security) para ser facilmente transacionável -, que apareceu nos últimos 80 anos. Todas as classes de ativos de base existem praticamente desde os anos 50 do século passado, momento em que Markowitz publicou o “Portfolio Selection” e formulou a fronteira eficiente. De lá para cá, o asset allocation tem evoluído, não porque foram criadas mais classes de ativos, mas sim porque mais classes de ativos passaram a ser investíveis em mercados públicos por via do processo de securitização.

E é nesta perspectiva que os ativos digitais são tão inovadores, sobretudo pela tecnologia de base que os suporta. Eles não precisam de mercados públicos para serem líquidos. Na realidade, serão, nos próximos anos, as outras classes de ativos que se transformarão em ativos digitais por via da tokenização para ter acesso a novas pool de liquidez. Em 10 anos, a pool de liquidez proporcionada pela tecnologia blockchain será tão ou mais potente do que aquilo que hoje conhecemos por Public Markets, pelo menos para algumas classes de ativos. Provavelmente, todos os instrumentos de crédito ou dívida  serão tokenizados nas próximas décadas, deixando as atuais infraestruturas de mercado de execução, liquidação e custódia, pelo simples facto desta não ser tão eficiente como a tecnologia de blockchain. Mais difícil será isso acontecer, por razões técnicas, com instrumentos e valores mobiliários perpétuos como as ações, mas deixemos isto para futuros artigos. 

Os ativos digitais, sejamos claros, é uma classe representada sobretudo por Bitcoin (70% do market cap, excluindo stablecoins, ou Asset Referenced Tokes, no contexto regulatório do MiCA), Ethereum (15%) e Solana (5%), sendo praticamente tudo o resto ruído ou tokens de startups que irão desaparecer e onde os investidores são sobretudo VC ultra-especializados ou curiosos com dinheiro. 

Os ativos digitais são também, desde que existem, a classe de ativos mais bem sucedida da história, quer em termos de retorno (Bitcoin é a melhor classe de ativos em 11 dos últimos 14 anos) quer em termos de dimensão e penetração, com um market cap de $3.3T, o que é mais que High Yield, Linkers, e, dentro de pouco tempo, mais que EMD. Tudo isto, em apenas 13 anos. Nos EUA, 25% dos investidores têm exposição a ativos digitais.

Se Markowitz fosse vivo, provavelmente a sua carteira de mercado incluiria Bitcoin, pela simples razão que promoveria a deslocação positiva da sua fronteira eficiente. Todos os leitores da Funds People sabem que num portfolio diversificado o que é importante não é a volatilidade, mas a correlação entre os ativos de uma carteira. Todos também sabemos que é impossivel estimar com rigor o retorno futuro. Por outro lado, é fácil estimar, com mais rigor pelo menos, a volatilidade futura. Markowitz só recebeu o seu Prémio Nobel 40 anos após as suas primeiras formulações. Mas os ativos digitais farão um percurso mais rápido. Eles já fazem parte das carteiras dos investidores mais sofisticados do Globo.

Os ativos digitais, seja Bitcoin, Ethereum ou Solana, não serão para todos os investidores. Bitcoin é um ativo macro, uma reserva de valor, relativamente simples de explicar. Quem entender economia monetária, vai adorar o conceito subjacente a Bitcoin. É o caso de inúmeros macroeconomistas e estrategistas de mercado que atualizaram o seu framework de análise e, por assim dizer, venderam-se aos ativos digitais - Tom Lee, Lyn Alden, James Bianco, Raoul Paul, Alfonso Peccatiello, só para citar alguns. Quem não presta atenção à dinâmica global da oferta monetária - dá sempre algum jeito perceber que a base monetária do dólar aumentou 73 vezes desde 1971 e que essa é a principal razão pela qual os ativos reais sobem de preço mesmo que não tenham um rendimento passivo associado - ou não aprecia tecnologia, vai gostar menos de Bitcoin, e ainda menos de Ethereum ou Solana, cujos conceitos são ainda mais abstratos, embora sejam estes que irão alavancar o crescimento dos casos de uso e da adoção da tecnologia blockchain nos próximos anos. 

É muito provável que Bitcoin continue a obliterar recordes e continue a subir a escada do single asset mais valioso, até próximo do market cap do ouro ($13T). Não sei quanto tempo isso demorará, mas sei o preço que Bitcoin atingirá nessa altura, pelo o facto da sua política monetária ser programada. Vai acontecer, e o mais engraçado é que iremos estar vivos para o testemunhar.

Entretanto, são inúmeros os estudos que aprofundam o efeito dos ativos digitais numa carteira diversificada tradicional, vulgarmente conhecida por 60/40. Seja uma alocação de 2%, 5% ou 10%, o efeito é sempre positivo, seja em retorno, seja em retorno ajustado pelo risco. No final do dia, a grande magia de uma carteira diversificada é que conseguimos estimar com bastante rigor a volatilidade futura e a máxima perda. Quanto ao retorno, o tempo fará o resto. 
Nuno Serafim
Managing Partner
Nuno is an experienced financial executive with broad experience in the Asset Management industry, being  board member of IMGA, where he served as Chief investment Officer, overseeing €3.4B of AuM before he founded 3 Comma Capital, together with Robert and Patrick Hable in 2022.
Related